terça-feira, 29 de setembro de 2009

O velho Jenuário e nossa nudez pela metade

Todo o santo dia o velho se arrastava até o rio pouco antes do anoitecer dando a impressão exata do tempo. Seu Pedro Jenuário devia ter uns oitenta anos àquela altura. Vivia numa casa de barro ao lado do nosso sítio. Na beira do rio, sentava-se na ponta do barco e arremessava a linhada. Usava sempre mandioca como isca, pois era o que havia ali. Talvez como conseqüência disso, raramente pegava alguma coisa, eu pessoalmente nunca o vi fisgar absolutamente nada. Às vezes estávamos jogando futebol ou brincando com Dick, o cachorro, e ele chegava sem alarde. Parecia um enviado de outra era geológica. Deitava-se no chão como se fosse o último gesto de sua existência e puxava alguma prosa. Falava geralmente do tempo, que numa outra época havia fartura, etc. O cachorro sempre latia com a chegada dele.
Ele era pai de Didi, o caseiro do sítio, e avô de Seu Blau, que já carregava o “Seu” desde os seis anos. Didi era engenhoso, o único nativo com antena parabólica da Tapera, - fazia coisas incríveis com meio metro de arame e um alicate. Segundo meu pai, um preguiçoso! Andava com uma farda do exército e gostava de descrever o desenrolar de uma guerra imaginária. Sabíamos da farsa, mas acreditávamos nele. Estávamos lá apenas nos fins de semana, para fazer churrasco, andar à caiaque, nadar, pescar... Mas com o passar do tempo meus pais foram perdendo o gosto, alguma coisa tinha mudado. Seu Jenuário já estava morto a essa altura e meu irmão e eu mais vivos quê nunca. Agora, preferíamos ir com nossos amigos. Fazíamos churrasco, enchíamos a cara e roubávamos a inocência das meninas da vila. Não acreditávamos mais nas estórias de Didi. Os tempos eram outros.
Porém, pouco antes da era do ceticismo, lembro do dia em que o velho Jenuário, à beira do fim, estava no barco pescando e num ato contínuo tirou a roupa e jogou-se ao rio. Eu estava a alguns metros dali com uma namoradinha qualquer que, profundamente ruborizada, sugeria que fossemos embora. Aquele ser humano desprovido de qualquer magnitude me sensibilizava de alguma forma, mas sem relutância eu atendi ao pedido da moça. Mais tarde, no quarto dos meus pais, não pude evitar o sorriso ao arrancar-lhe a roupa. O velho Jenuário já tinha virado comida de peixe.

Um comentário:

  1. caramba, esse conto me deu um certo sentimento nostálgico com relação a minha infância... ele tem um quê de observação de um flaunêr... muito bom, paquitão!

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